Por Tarso Genro e Vinícius Wu
Serra foi cauteloso ao referir-se aos dois governos de FHC. Faz bem à democracia brasileira a decisão do PSDB de defender o legado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua agenda de privatizações e enxugamento do Estado. O lançamento da candidatura Serra, no último sábado, reorganiza o debate político e posiciona dois projetos distintos para o país. É a oportunidade para superarmos a “fulanização” do debate – desejo de alguns articulistas da grande imprensa – e promovermos uma grande reflexão coletiva a respeito do futuro do país.
Fernando Henrique Cardoso, aplaudido de pé pelos participantes do evento, afirmou que Serra “saberá reconhecer o que foi feito no passado” e o que foi “conquistado em seu governo e nos anteriores”. Foi anunciado pela apresentadora Ana Hickmann como um homem que “com seu trabalho e liderança teve coragem de promover reformas necessárias” no país.
Em seu discurso, Serra exaltou as realizações dos governos do PSDB, em meio a advertências de que se tratava de um processo mais amplo, situado no contexto da reabertura democrática. Foi cauteloso ao referir-se aos dois governos de FHC, mas igualmente ficou nítida a mudança de abordagem. A direção do PSDB parece ter se convencido da impossibilidade de esconder FHC sob o tapete.
Coube a Aécio Neves fazer a defesa mais enfática do legado neoliberal. Afirmou que não há nada que o envergonhe no passado do PSDB e com orgulho registrou que durante o governo FHC, “nós (o PSDB) privatizamos sim, setores que precisavam ser privatizados”.
O lançamento da candidatura tucana não deixa dúvidas a respeito do elemento fundamental do pleito deste ano: Serra representa a restauração nestas eleições; a retomada das privatizações, da redução do Estado e da “máquina pública”. Estes são os temas, assumidos sem disfarce, pelos próceres do tucanato no último sábado.
Um dos temas mais recorrentes na fala das lideranças do PSDB diz respeito à política externa do atual governo. A retórica aproxima-se da cantilena americana durante a era Bush: defender a democracia no mundo dos regimes tirânicos de Irã, Cuba e Venezuela, o que equivale dizer alinhamento automático aos EUA e submissão absoluta em relação aos grandes temas mundiais.
A direção do PSDB parece ter se convencido da impossibilidade de esconder FHC sob o tapete. A reversão da atual política externa está longe de ser uma ameaça menor. Trata-se de mover uma das peças mais importantes do tabuleiro no qual se definirá, nos próximos anos, a ordem global do novo século.
A legitimidade popular das políticas sociais transforma em dogma, nestas eleições, a reversão da agenda social do atual governo. Mas engana-se quem acredita na conversão dos tucanos. FHC foi claro em seu discurso ao recuperar, ainda que ligeiramente, a principal crítica da direita brasileira às políticas de distribuição de renda da era Lula. Para os tucanos, é preciso oferecer “oportunidades” de emprego para que os pobres encontrem as “portas de saída”, o que na prática significa o convívio com níveis elevados de pobreza associado a políticas compensatórias em casos extremos. Discurso arrefecido, porém insepulto. A candidatura tucana “acusa” o atual governo de buscar “administrar” a pobreza e não “superá-la”.
De qualquer forma, o lançamento da candidatura Serra e a apresentação preliminar de sua plataforma engrandecem o debate político nacional e contribuem com o embate democrático, civilizado, entre as diferentes posições. Cumpre ao PT e aos demais partidos que dão sustentação ao governo Lula demonstrar o quão penoso seria para a sociedade brasileira retornar aos anos de estagnação econômica e ampliação desmedida do desemprego e da miséria, legado maior da era demo-tucana, que seus partidários acreditam, sinceramente, terem sido melhores para o Brasil do que a gestão Lula – ainda que alguns demonstrem um certo embaraço ao defender estas posições.
O embate eleitoral de 2010 definirá, em grande medida, que Brasil teremos no século XXI. A candidatura tucana, enfim, tornou pública sua visão de país. E se alguma liderança do PSDB merece algum elogio, é, sem dúvida, o ex-presidente Fernando Henrique, que não só sustenta com tenacidade as privatizações de seu governo, como também defende – com certa sofisticação que lhe é peculiar – a forma submissa e dependente através da qual o país entrou na globalização naquele período.
Com o lançamento da candidatura Serra, enfim, podemos afirmar que as cartas estão sobre a mesa. E que venha, então, o debate.
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